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Trabalho noturno rotativo e envelhecimento saudável

O que é o trabalho por turnos?

Trabalho por turnos é uma prática de emprego destinada a fazer uso das 24 horas diárias, ou disponibilizar serviços durante 24 horas. Nesta prática, o dia é geralmente dividido em turnos ou intervalos de tempo durante os quais diferentes grupos de trabalhadores realizam o trabalho. O turno da noite foi definido como trabalho de, pelo menos, 3 horas realizado entre as 23:00–06:00 horas.

Trabalho noturno e seus riscos

O trabalho noturno está se tornando cada vez mais comum em todo o mundo. Cerca de 15%-33% da população ativa está envolvida nele, especialmente os profissionais da área da saúde.

Estudos anteriores sugeriram que o trabalho noturnopode resultar em perturbação do ritmo circadiano, distúrbios do sono e outras alterações comportamentais, levando a um risco aumentado de doenças crônicas (incluindo obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares), transtornos mentais, comprometimento da cognição e aumento da mortalidade. A Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer da Organização Mundial da Saúde, inclusive, cita que o trabalho por turnos é provavelmente carcinogênico para os seres humanos (1,2).

Nurses' Health Study

O Nurses' Health Study (3) foi um estudo de corte prospectivo com enfermeiras registradas nos Estados Unidos com idades variando entre 30 e 55 anos, estabelecido em 1976. Questionários de acompanhamento foram usados para atualizar as informações das participantes a cada 2 anos.

Baseado no conceito de envelhecimento bem-sucedido, desenvolvido por Rowe e Kahn e na literatura prévia, o envelhecimento saudável é definido como viver até pelo menos os 70 anos de idade na ausência de problemas em 4 domínios de saúde: sem doenças crônicas importantes, sem comprometimento na função cognitiva, função física ou saúde mental.

Consistente com publicações anteriores, a duração do trabalho noturno rotativo foi classificado em 4 categorias: nunca ter realizado, ter realizado de 1 a 5 anos, 6 a 9 anos e 10 anos ou mais. Das 46.318 mulheres estudadas, 59,3% relataram já ter trabalhado em turno noturno rotativo, e 11,6% relataram pelo menos 10 anos de trabalho noturno rotativo. Destas, 38,4% permaneceram livres das 11 doenças crônicas, 15,4% não apresentavam comprometimento da função física, 42,4% tinham boa saúde mental e 50,0% relataram nenhum comprometimento da função de memória. No entanto, apenas 8,0% preencheram todos os critérios de envelhecimento saudável. Em comparação com as mulheres sem histórico de trabalho noturno rotativo, aquelas com mais anos de turnos noturnos, dormiam um pouco menos, eram mais propensas a serem fumantes, roncavam mais regulamente, tinham maior média de IMC (índice de massa corporal) e eram mais propensas a ter hipertensão arterial.

Discussão

Neste grande estudo, dez anos ou mais de trabalho noturno rotativo foi associado a uma redução de 20% nas chances de envelhecer de forma saudável. No geral, a associação observada não diferiu substancialmente por idade, IMC e outros fatores de estilo de vida. Até onde sabemos, este é o primeiro estudo de coorte prospectivo a investigar a associação do trabalho noturno com o estado geral de saúde.

Comparação com outros estudos e explicações

Além da literatura existente, sugerindo que o trabalho em turnos está associado ao aumento da mortalidade, os achados desse estudo indicam ainda que essa redução da expectativa de vida também pode ser acompanhada por pior saúde geral e funcionamento.

Potenciais mecanismos

Embora os mecanismos ainda não tenham sido claramente definidos, vários hipóteses estão por trás dessa associação: O trabalho noturno rotativo altera o ritmo circadiano, que desempenha papéis importantes na função metabólica diária, regulando padrões de gasto energético e hormônios, como leptina, grelina, tireotropina, insulina e melatonina; enquanto isso, a interrupção do ritmo circadiano pode contribuir para a resistência à insulina, diminuição da regulação da glicose e desenvolvimento de doenças.

Além disso, as pessoas que trabalham em turnos noturnos são mais propensas a sofrer privação crônica do sono, ter sono de má qualidade ou distúrbios do sono, que podem levar a perturbações na saúde mental e comprometimento da função cognitiva.

Ademais, outros fatores, como padrões sociotemporais perturbados (resultante de jornadas de trabalho atípicas que levam a problemas familiares, suporte social reduzido e estresse) e maior prevalência de doenças como sobrepeso e obesidade nessa população, também podem explicar a associação. Esse achado sugere a importância de manter o peso saudável entre trabalhadores em turnos.

Como programar o trabalho noturno para reduzir os riscos de saúde e segurança?

Com base na limitada literatura existente (4), recomenda-se que, para minimizar os danos a saúde, que o trabalho noturno seja organizado da seguinte forma:

· Realização, no máximo, até 3 turnos noturnos consecutivos;
· O intervalos de turno deve ser de, pelo menos, 11 horas;
· A duração do turno trabalhado deve ser de, no máximo 9 horas;
· Para reduzir o risco de aborto espontâneo, as mulheres grávidas não devem trabalhar mais do que um turno da noite por semana.

O horário que o trabalhador noturno se alimenta pode fazer diferença?

Em um outro estudo (5), foi avaliado o controle glicêmico durante o trabalho noturno simulado após alimentação noturna OU diurna. A avaliação dos ritmos circadianos endógenos centrais (temperatura corporal) e periféricos (glicose e insulina) ocorreu antes e após o trabalho noturno simulado. A alimentação noturna levou ao desalinhamento entre os ritmos circadianos endógenos centrais e periféricos e à intolerância à glicose, enquanto a restrição das refeições para apenas o período diurno o impediu.

Este estudo levou a conclusão de que, refeições alocadas para o horário diurno habitual e não para o noturno, pode ajudar a manter o alinhamento circadiano interno e prevenir os efeitos adversos do trabalho noturno na tolerância à glicose e na função das células β pancreáticas.

Referências:

1. IARC Monographs Vol 124 Group. Carcinogenicity of night shift work. Lancet Oncol. 2019;20(8):1058-1059. doi:10.1016/S1470-2045(19)30455-3
2. Straif K, Baan R, Grosse Y, et al; WHO International Agency for Research on Cancer Monograph Working Group. Carcinogenicity of shift-work, painting
3. Hongying Shi et al. Rotating Night Shift Work and Healthy Aging After 24 Years of Follow-up in the Nurses' Health Study. JAMA.
4. How to schedule night shift work in order to reduce health and safety risks.
5. Daytime eating prevents internal circadian misalignment and glucose intolerance in night work.

 

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