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Obesidade e Doença Renal Crônica

  A doença renal crônica (DRC) representa uma das enfermidades mais graves em todo o mundo. No entanto, é uma das doenças menos ativamente procurada. Silenciosa, ela pode dar sintomas somente quando em fase muito avançada.

  O aumento do número de pessoas com DRC tem sido acompanhado do aumento do número de pessoas com obesidade. A obesidade, não só aumenta a prevalência de diabetes tipo 2 (DM2) e hipertensão, ambos importantes fatores de risco para DRC, mas também aumenta a incidência de DRC e sua progressão para doença renal em estágio final.

É a obesidade por si só, ou a associação com síndrome metabólica que tem maior relação com a DRC?
   Um grande estudo transversal de adultos norte-americanos (1) mostrou que a obesidade, sem a associação com a Síndrome Metabólica (SM), não foi relacionada à redução da taxa de filtração glomerular dos rins e/ou aumento da perda de proteínas na urina. Por outro lado, a SM foi independentemente associada a ambos os desfechos em indivíduos com ou sem obesidade.
   Com relação ao papel dos diferentes componentes da SM na DRC, é bem conhecido que o diabetes e a hipertensão representam os fatores mais comuns de redução da função renal, sendo os dois principais motivos pelos quais as pessoas precisam fazer diálise e transplante renal em todos os lugares pesquisados. Mas, é importante mencionar que os altos níveis de triglicerídeos e os baixos níveis de HDL-C estão associados a um risco aumentado de DRC.
Obs: nesse estudo (1) é possível que o achado da falta de uma associação entre obesidade e redução da taxa de filtração dos rins possa, em parte, refletir o fato de que alguns participantes com obesidade podem estar em um estado transitório de aumento da filtração (no qual a taxa de filtração aumenta devido à sobrecarga dos néfrons), o que poderia preceder um declínio progressivo subsequente na taxa de filtração, além do fato dos pacientes nesse grupo serem jovens.

Por que isso acontece?
  Embora não se saiba exatamente porque isso acontece, o papel do tecido adiposo tem se tornado cada vez mais importante. No contexto da obesidade, alguns fatores desempenham um papel relevante:
1. A lipotoxicidade: cada ser humano possui uma capacidade limitada de acumular gordura no tecido adiposo subcutâneo. A partir daí, o excesso se acumula em tecidos que originalmente não tem função de armazenar gordura, como os órgãos sólidos. Nesses locais, então, ocorre um fenômeno nocivo conhecido como lipotoxicidade, onde esse excesso de gordura pode alterar o funcionamento do órgão. Inclusive, nos rins, está descrita a participação desse fenômeno, além de outros mecanismos, incluindo hormônios relacionados ao aumento da pressão e mediadores da inflamação (2).

2. A alteração do perfil de secreção do tecido adiposo: a maioria das pessoas não sabe, mas o tecido adiposo não é apenas um reservatório de gordura, ele é um tecido endócrino capaz de secretar diversas sustâncias, como citocinas pró-inflamatórias que podem causar lesão nos rins.

3. A obesidade aumenta o risco de doenças que, comprovadamente, causam lesão nos rins, como a hipertensão, o DM2 e a dislipidemia. Além de exigir um maior funcionamento do órgão; o que, a longo prazo, pode levar a uma sobrecarga com perda de funcionamento por excesso de esforço dos filtros renais.

4. Níveis séricos elevados de leptina: pacientes com DRC, não apenas obesos, mas também não obesos, apresentam níveis séricos elevados de leptina. Além de seu efeito sobre o apetite e a contribuição da hiperleptinemia para a hipertensão associada à obesidade, a leptina pode modular diferentes vias de sinalização no rim, uma vez que o órgão apresenta receptores desse hormônio. A leptina induz um aumento da expressão de genes que traduzem e levam à inflamação e fibrose (cicatriz).

Como manejar a Doença Renal Associada à Obesidade?
  As estratégias farmacológicas para o tratamento da DRC associada à obesidade incluem o uso de bloqueadores do sistema renina angiotensina aldosterona, bem como diuréticos e estatinas, essas últimas para o controle da dislipidemia, se presente. Alguns autores apostam nos agonistas do receptor GLP-1 e inibidores do SGLT2, classicamente usados para melhorar o controle da glicose; e que, recentemente, mostraram melhorar adicionalmente os desfechos renais em pacientes com DM2, e no caso da empagliflozina, melhorou os desfechos renais em pacientes sem DM2 também(4).
Diferentes estudos destacam a importância da perda de peso corporal na melhora dos marcadores da função renal. Das opções terapêuticas que temos atualmente, a cirurgia bariátrica ainda é a mais eficaz para perder peso em casos selecionados. De fato, redução significativa da perda de proteínas na urina e no excesso de filtração dos rins foram observados em associação com a perda de peso induzida cirurgicamente.
A perda de peso e o controle da síndrome metabólica, independente da forma como são atingidos e quais os mecanismos envolvidos, são fundamentais para a conservação da função dos rins a longo prazo, evitando a progressão para os estágios finais da DRC com necessidade de diálise e transplante renal.

Este texto foi escrito pela endocrinologista Dra Luciana Péres (@endocrinoluperes) em colaboração com o nefrologista Dr Giovani Gadonski (@drgadonski).

Referências:
1. Metabolic Syndrome, and Not Obesity, Is Associated with Chronic Kidney Disease. Am J Nephrol. 2021;52(8):666-672.

2. Obesity and chronic kidney disease. Jiang Z, Wang Y, Zhao X, Chui H, et al. Am J Physiol Endocrinol Metab. 2023 Jan 1;324(1):E24-E41.

3. From Obesity to Chronic Kidney Disease: How Can Adipose Tissue Affect Renal Function? Nephron. 2021;145(6):609-613.

4. Empagliflozin in Patients with Chronic Kidney Disease.
The EMPA-KIDNEY Collaborative Group et al. N Engl J Med. 2023 Jan 12;388(2):117-127.

 

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