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O LEITE MATERNO PODE AJUDAR A AJUSTAR O RITMO CIRCADIANO DO BEBÊ?

       Sabe-se que o recém-nascido apresenta seu padrão de sono dentro de um ritmo ultradiano  (< 24horas), e, somente após o período neonatal, o sono passa a apresentar o ritmo circadiano (equivalente a 24 horas). Ou seja, é durante o primeiro mês de vida que inicia a adaptação do ciclo sono-vigília ao ciclo noite-dia. E, para que ocorra a tão desejada maturação do ciclo circadiano do bebê, de forma gradual e progressiva, diversos fatores são imprescindíveis.

      Entre estes fatores, podemos destacar o ambiente (com suas variações naturais e cíclicas, tais como luminosidade, principalmente proveniente da luz solar, com sua redução ao entardecer; estímulos sonoros que variam de intensidade durante o dia e à noite).

     Outros fatores importantes seriam os hábitos bem estabelecidos na rotina diária (variação temporal nas interações sociais, horário do despertar da manhã, horário do banho e, logo após, colocação do pijama para dormir).

       No útero, o feto fica exposto por aproximadamente 9 meses aos ritmos circadianos, fisiológicos, metabólicos e comportamentais da mãe. Este ambiente circadiano é, abruptamente, interrompido após o nascimento.

       Contudo, a natureza desenvolveu um mecanismo perfeito para seguir auxiliando o recém-nascido neste processo: o leite materno. Pesquisas sugerem que o leite materno possa ser uma poderosa forma de comunicar informações sobre horários do dia aos bebês, visto que sua composição muda de acordo com o ritmo circadiano da mãe!

 

O leite materno é muito mais completo do que você imagina

       O leite humano é uma substância biológica viva muito mais complexa do que a soma dos seus componentes nutricionais. Diversas evidências indicam que a composição nutricional, hormonal e imunológica do leite materno humano varia ao longo do dia. Muito se fala sobre o manuseio, armazenamento e fornecimento de leite materno, no entanto, essas recomendações ignoram o fato de que a composição do leite muda ao longo do dia!


Os hormônios são transferidos do sangue da mãe para o leite materno

     Durante o dia, o leite humano contém níveis mais altos de cortisol, o que, provavelmente, ajuda a promover o estado de alerta, comportamento alimentar e processos catabólicos nos bebês. A diferença é tão expressiva que os níveis de cortisol foram, em média, 330% mais altos no leite da manhã em comparação com o leite do final da tarde e da noite. Já, durante a noite, por outro lado, contém baixos níveis de cortisol e, em substituição, fornece altos níveis de melatonina e triptofano para promover o sono e apoiar a restauração celular.
 

       Em apoio à importância da melatonina no leite materno para o desenvolvimento circadiano em humanos, os bebês amamentados no peito mostram aumentos noturnos mais regulares em 6-sulfatoximelatonina, o metabólito da melatonina excretado na urina, do que os bebês alimentados com fórmula, uma diferença que pode explicar por que os bebês amamentados no peito têm maior eficiência do sono e menos sono fragmentado nos primeiros anos de vida em comparação com os bebês alimentados com fórmula.

       Além disso, vale ressaltar, também, que mães que praticam atividade física, ainda contam com a liberação de endorfina, que também irá passar para pelo leite materno e ajudar a relaxar o bebê.

 

Nem todo bebê é alimentado direto no peito

      Após compreendermos a variação da composição hormonal no leite humano, de acordo com o ritmo circadiano materno, é fácil entender os benefícios do aleitamento para o desenvolvimento de ritmos circadianos estáveis no bebê.

      Todavia, surge outra questão: e os bebês que recebem leite materno ordenhado? Em nossa sociedade, a imensa maioria dos bebês consome ou irá consumir, algum leite que foi previamente extraído através de bomba de leite (e depois congelado ou refrigerado para uso posterior). Sendo assim, é plausível imaginar que o leite ordenhado e ofertado fora do horário (em momentos distintos dentro das 24h) possa perturbar ou atrasar o amadurecimento dos ritmos circadianos dos bebês, com efeitos potencialmente significativos no sono e, por consequência, na saúde infantil.

 

Faltam recomendações sobre o assunto e faltam estudos

     Não encontramos recomendações de qualquer organização de saúde sobre o momento da entrega do leite humano ao longo do dia.

      Além disso, não nos deparamos com estudos investigando se o leite, fora do horário, desregula o relógio circadiano do bebê.

     Essa lacuna deve ser preenchida porque as intervenções potenciais são de baixo custo e fáceis de implementar (por exemplo, rotular o horário que o leite foi extraído e fornecê-lo no horário similar).

 

Conclusão

      Em resumo, a composição hormonal cíclica do leite humano, dentro do ritmo circadiano materno, constitui um sinal ambiental plausível, apesar de não reconhecido amplamente, que poderá ajudar a explicar o grande grau de heterogeneidade no desenvolvimento da atividade circadiana dos bebês.

     Assim como a alimentação diretamente do seio pode promover o ajuste neuroendócrino circadiano do bebê, o mesmo leite (quando ordenhado e ofertado posteriormente, em momentos distintos entre os ritmos circadianos mãe-bebê) pode perturbar esse ajuste.

      Além da pesquisa básica, são necessários ensaios clínicos randomizados para determinar se fornecer leite circadiano adequado melhora a saúde infantil.

       Mães e outros cuidadores podem ser aconselhados a rotular o leite extraído com o horário em que foi extraído e selecionar o leite armazenado que melhor corresponda ao horário atual ao alimentar bebês com mamadeira.

      Um entendimento básico maior dos ritmos diários nos componentes bioativos do leite materno humano poderia revelar novas oportunidades para intervenções que melhorem a saúde infantil.

   

   Este texto foi escrito pela endocrinologista Dra Luciana Péres (@endocrinoluperes) em colaboração com a pediatra Carolina Menna Barreto (@carolmenna).

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